Tuesday, September 02, 2014

Que seja diferente



Defendo que não é possível escrever com propriedade sobre um sentimento desconhecido. Sobre uma sensação nunca vivida, pior ainda. 

Passei a adolescência inteira com medo de engravidar, mesmo adiando a perda da minha virgindade para os 20 anos. Hoje, já começo a pensar em ter medo de não poder engravidar.

Tive todos os acessos do mundo: escola privada de qualidade, pais instruídos, médicos e, como se não bastasse, uma mãe que trabalha com DST e conversa sobre sexo desde que nos entendemos por gente. Fui ao ginecologista, passei a tomar pílula, fazer o preventivo, tomar todos os cuidados necessários. Não tive uma gravidez precoce. 

Não nasci na era do Google, ele veio depois. Mas sabia, desde cedo, quais eram e como se prevenir das doenças sexualmente transmissíveis e de uma gravidez indesejada.

A filha da minha empregada nasceu na era da Internet. Teve chance de frequentar a ginecologista desde o inicio da puberdade. Virou evangélica. Aprendeu a priorizar os estudos e o trabalho. Engravidou antes de completar 18 anos. “É safadeza. Hoje, todo mundo tem acesso à informação.” Será suficiente? O que vejo é que, com tanta “informação”, falta instrução. Com tanto acesso, falta educação. Com tanto site de busca na Internet, falta apoio familiar, escolar, governamental.

Não sou pobre, negra, estudante de escola pública, moradora de bairro popular. Sou mulher e o fato de desviar o caminho quando estou andando sozinha e vejo um homem me encarando, ou escutar uma cantada e ter medo de revidar, me faz ter ideia do que é ser uma minoria. Imagina como se sente a filha da minha empregada. 

Ela nasceu em uma casa, teve pai e mãe, acesso ao estudo e à tecnologia. Minha empregada nasceu no interior, perdeu o pai, teve uma mãe que tentou prostituí-la, não estudou e nem sempre teve onde morar. As duas tiveram filhos antes dos 25 anos. 

As coisas mudaram, mas, enquanto a educação não for uma prioridade, as mudanças não serão tão profundas assim.